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Uma consulta com o Dr. Smartphone, por Cristiane Segatto

Cristiane Segatto dedica sua coluna dessa semana na Revista Época, em homenagem aos Blogueiros da Saúde e entrevista Dra. Cristiane Benvenuto, médica, mãe, blogueira que trouxe a palestra “Dr. Google Veio para ficar em nosso dia-a-dia no I Encontro de Blogueiros e Ativistas em Redes Sociais da Saúde.

Confiram a coluna da Cris Segatto que carinhosamente lembrou dos Blogueiros da Saúde, enviando um twitter nos comunicando da sua coluna desta semana na Revista Época. 
Um novo aplicativo transforma o celular em uma espécie de consultório oftalmológico de bolso. Segundo a notícia publicada ontem, um pesquisador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres está testando a novidade em 5 mil pessoas no Quênia.
O aplicativo usa a câmera do celular para examinar os olhos e detectar catarata. Uma letra que aparece na tela e vai diminuindo de tamanho é usada no exame básico de visão – aquele que detecta a necessidade de óculos.
A luz do flash da câmera do celular ilumina o fundo do olho. Dessa forma, é possível examinar a retina para tentar identificar mais doenças. As informações sobre o paciente ficam guardadas no celular. O GPS do aparelho identifica o lugar exato onde ele se encontra. Toda a avaliação pode ser enviada aos médicos onde quer que eles estejam. Se for realmente eficaz, essa invenção pode servir de exemplo ao Brasil.
No Quênia, assim como no Brasil, faltam médicos em localidades afastadas dos grandes centros. No nosso país, não faltam só médicos, como repetimos tantas vezes nesta coluna. Falta tudo: equipamentos, estrada, segurança, dinheiro para o morador pagar o transporte até um centro de saúde.
Onde falta tudo nem sempre falta sinal de internet e telefonia móvel. No Brasil, 134 milhões de pessoas têm celular, segundo um estudo do IBOPE Media. Desses, 52 milhões têm acesso à internet. Vinte milhões são felizes proprietários de smartphones.
A popularização dos celulares e as novas tecnologias móveis deveriam estar no radar de quem traça as políticas de saúde no país. Esses dispositivos podem reduzir custos e alcançar quem nunca terá a chance de estar diante de um médico de carne e osso, sempre que precisar. Com recursos móveis e aplicativos confiáveis, até mesmo enfermeiros ou profissionais de saúde de nível técnico poderiam ir até o paciente, fazer os exames e enviá-los aos médicos localizados a quilômetros de distância.
Como quase sempre política vira politicagem e as autoridades de saúde com perfil técnico são expurgadas do comando sempre que uma disputa eleitoral se avizinha, essa é mais uma discussão produtiva que deixa de ser feita.
Se dos governos podemos esperar poucas soluções coletivas e inteligentes para a saúde, o fenômeno das novas tecnologias móveis tem algo de libertador: os aplicativos, gadgets, sites e outros recursos dão poder ao indivíduo.
Eles democratizam o conhecimento e colocam o paciente no comando de seu próprio tratamento. Depois do fenômeno Dr. Google (quando as pessoas passaram a recorrer à internet para buscar informações de saúde) vivemos agora o fenômeno Dr. Smartphone.
Com um celular na mão e uns aplicativos espertos, as pessoas monitoram quantos passos deram a cada dia, controlam os nutrientes de cada refeição, checam a quantidade de açúcar no sangue, a pressão arterial e até se submetem a um eletrocardiograma sem sair de casa.
O acesso à informação médica e a recursos técnicos que permitem cuidar da saúde está fazendo surgir um novo tipo de paciente: mais contestador e, ao mesmo tempo, capaz de tomar decisões conscientes e aderir ao tratamento com mais determinação.
Não acredito que essas ferramentas substituam o médico. Ele continuará sendo fundamental para orientar o paciente na escolha dos aplicativos de qualidade (sim, há muita porcaria por aí) e na interpretação dos resultados. O médico continuará sendo o responsável por fazer diagnóstico e orientar o tratamento. E também por confortar, entender, ter empatia – tudo o que a máquina não é capaz de fazer.
“Essa é uma tendência sem volta”, diz a dermatologista Cristiane Benvenuto, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Segundo ela, os médicos que resistem a mudanças erram ao pensar que o paciente deve escolher entre eles ou a tecnologia. “Esses novos recursos podem ser grandes aliados dos médicos”, afirma.
Saúde e internet são duas das paixões de Cristiane. Ela acredita no potencial das mídias digitais como instrumento de promoção de bem-estar, mas diz que o grande desafio hoje é ajudar as pessoas a encontrar informação de qualidade na internet.
Aos 38 anos, ela mantém dois blogs: um como médica e outro como mãe. Lorenzo, o filho de 3 anos, teve um câncer na retina aos 7 meses e corria o risco de perder o globo ocular. No blog, Cristiane conta sua experiência diante da dificuldade de filtrar informações na internet – um desafio até mesmo para quem tem formação médica.
Um pouco dessa história linda e inspiradora você vê no vídeo nesta página.
Minha xará Cristiane circula muito bem entre dois mundos que, para o bem dos pacientes, precisam viver em harmonia (a medicina e as tecnologias digitais). Por ser um símbolo do profissional de saúde desses novos tempos, acho que vale a pena ouvir o que ela tem a dizer.
Abaixo reproduzo um dos posts da Dra. Cris. Boa reflexão, boa semana e até a próxima!
“Cheguei a ouvir no primeiro ano da faculdade que minha turma fazia parte da “nata da sociedade”. Não nego o privilégio que é cursar uma universidade pública de qualidade nesse país, mas também não posso deixar de me sentir nauseada com a “pompa” de alguns detentores do conhecimento universal. Éramos nata pelas oportunidades que a vida nos apresentou, mas éramos erroneamente treinados a acreditar que, por isso, tínhamos direito ao bastão da razão inabalável.
E daí veio a internet… E os pacientes começaram a ter acesso à caixa preta que revelava todos os mistérios do corpo humano. Inicialmente eles chegavam tímidos ao consultório, perguntando o motivo de não receberem esse ou aquele tratamento. Mas com o tempo perceberam que podiam muito mais. E podem muito mais.
Eu acredito na medicina em que o médico “orienta” seu paciente conforme a melhor informação disponível. Ele ouve, interage, entende e, então, orienta. Ele não é Deus e nem pretende ser. Quando a postura onipotente prevalece, o paciente acredita (com razão) e se coloca a um passo da decepção. Afinal, a Deus não é permitido errar. Mas errar é inevitável ao ser humano, grupo do qual faz parte o exército de branco.
Os pacientes que não compram a onipotência acabam buscando novos caminhos, muitas vezes fora da medicina. Alguns desses doentes obtêm a tão sonhada solução dessa forma, mas outros tantos acabam buscando remédio nas mãos de profissionais que pouco têm a oferecer – ou que na verdade pouco se importam em oferecer alguma coisa.
Sempre admirei a medicina. Essa foi a profissão que escolhi quando ainda nem sabia escrever. Mas admiro ainda mais o papel que vem se formando para o médico nessa era da informação sem limites ou fronteiras: um membro importante e imprescindível da equipe multidisciplinar (e-qui-pe) que avalia o doente como um todo, corpo e mente.
Um ser humano que navega a informação médica com facilidade e é capaz de traduzir o que encontra para ajudar seu “cliente” a decidir. Sim, seu “cliente”, por que não? E a medicina pode ser exercida de diversas formas, nem todas necessariamente ocorrendo no consultório ou na sala de cirurgia.
Mas nem tudo são flores e seria ingenuidade acreditar que já houve uma mudança completa. Nem todos os doentes têm acesso à informação e muitos médicos ainda são levados pelo sistema a desenvolver a compaixão em 10 minutos de consulta.
Mas a semente está plantada e a evolução vai ser inevitável. Como dizia no início da conversa: foi-se o tempo em que médico era Deus, mas nasce um tempo em que ele pode curar e aliviar muito mais do que em toda a história da medicina”.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)Um novo aplicativo transforma o celular em uma espécie de consultório oftalmológico de bolso. Segundo a notícia publicada ontem, um pesquisador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres está testando a novidade em 5 mil pessoas no Quênia.
O aplicativo usa a câmera do celular para examinar os olhos e detectar catarata. Uma letra que aparece na tela e vai diminuindo de tamanho é usada no exame básico de visão – aquele que detecta a necessidade de óculos.
A luz do flash da câmera do celular ilumina o fundo do olho. Dessa forma, é possível examinar a retina para tentar identificar mais doenças. As informações sobre o paciente ficam guardadas no celular. O GPS do aparelho identifica o lugar exato onde ele se encontra. Toda a avaliação pode ser enviada aos médicos onde quer que eles estejam. Se for realmente eficaz, essa invenção pode servir de exemplo ao Brasil.
No Quênia, assim como no Brasil, faltam médicos em localidades afastadas dos grandes centros. No nosso país, não faltam só médicos, como repetimos tantas vezes nesta coluna. Falta tudo: equipamentos, estrada, segurança, dinheiro para o morador pagar o transporte até um centro de saúde.
Onde falta tudo nem sempre falta sinal de internet e telefonia móvel. No Brasil, 134 milhões de pessoas têm celular, segundo um estudo do IBOPE Media. Desses, 52 milhões têm acesso à internet. Vinte milhões são felizes proprietários de smartphones.
A popularização dos celulares e as novas tecnologias móveis deveriam estar no radar de quem traça as políticas de saúde no país. Esses dispositivos podem reduzir custos e alcançar quem nunca terá a chance de estar diante de um médico de carne e osso, sempre que precisar. Com recursos móveis e aplicativos confiáveis, até mesmo enfermeiros ou profissionais de saúde de nível técnico poderiam ir até o paciente, fazer os exames e enviá-los aos médicos localizados a quilômetros de distância.
Como quase sempre política vira politicagem e as autoridades de saúde com perfil técnico são expurgadas do comando sempre que uma disputa eleitoral se avizinha, essa é mais uma discussão produtiva que deixa de ser feita.
Se dos governos podemos esperar poucas soluções coletivas e inteligentes para a saúde, o fenômeno das novas tecnologias móveis tem algo de libertador: os aplicativos, gadgets, sites e outros recursos dão poder ao indivíduo.
Eles democratizam o conhecimento e colocam o paciente no comando de seu próprio tratamento. Depois do fenômeno Dr. Google (quando as pessoas passaram a recorrer à internet para buscar informações de saúde) vivemos agora o fenômeno Dr. Smartphone.
Com um celular na mão e uns aplicativos espertos, as pessoas monitoram quantos passos deram a cada dia, controlam os nutrientes de cada refeição, checam a quantidade de açúcar no sangue, a pressão arterial e até se submetem a um eletrocardiograma sem sair de casa.
O acesso à informação médica e a recursos técnicos que permitem cuidar da saúde está fazendo surgir um novo tipo de paciente: mais contestador e, ao mesmo tempo, capaz de tomar decisões conscientes e aderir ao tratamento com mais determinação.
Não acredito que essas ferramentas substituam o médico. Ele continuará sendo fundamental para orientar o paciente na escolha dos aplicativos de qualidade (sim, há muita porcaria por aí) e na interpretação dos resultados. O médico continuará sendo o responsável por fazer diagnóstico e orientar o tratamento. E também por confortar, entender, ter empatia – tudo o que a máquina não é capaz de fazer.
“Essa é uma tendência sem volta”, diz a dermatologista Cristiane Benvenuto, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Segundo ela, os médicos que resistem a mudanças erram ao pensar que o paciente deve escolher entre eles ou a tecnologia. “Esses novos recursos podem ser grandes aliados dos médicos”, afirma.
Saúde e internet são duas das paixões de Cristiane. Ela acredita no potencial das mídias digitais como instrumento de promoção de bem-estar, mas diz que o grande desafio hoje é ajudar as pessoas a encontrar informação de qualidade na internet.
Aos 38 anos, ela mantém dois blogs: um como médica e outro como mãe. Lorenzo, o filho de 3 anos, teve um câncer na retina aos 7 meses e corria o risco de perder o globo ocular. No blog, Cristiane conta sua experiência diante da dificuldade de filtrar informações na internet – um desafio até mesmo para quem tem formação médica.
Um pouco dessa história linda e inspiradora você vê no vídeo nesta página.
Minha xará Cristiane circula muito bem entre dois mundos que, para o bem dos pacientes, precisam viver em harmonia (a medicina e as tecnologias digitais). Por ser um símbolo do profissional de saúde desses novos tempos, acho que vale a pena ouvir o que ela tem a dizer.
Abaixo reproduzo um dos posts da Dra. Cris. Boa reflexão, boa semana e até a próxima!
“Cheguei a ouvir no primeiro ano da faculdade que minha turma fazia parte da “nata da sociedade”. Não nego o privilégio que é cursar uma universidade pública de qualidade nesse país, mas também não posso deixar de me sentir nauseada com a “pompa” de alguns detentores do conhecimento universal. Éramos nata pelas oportunidades que a vida nos apresentou, mas éramos erroneamente treinados a acreditar que, por isso, tínhamos direito ao bastão da razão inabalável.

E daí veio a internet… E os pacientes começaram a ter acesso à caixa preta que revelava todos os mistérios do corpo humano. Inicialmente eles chegavam tímidos ao consultório, perguntando o motivo de não receberem esse ou aquele tratamento. Mas com o tempo perceberam que podiam muito mais. E podem muito mais.
Eu acredito na medicina em que o médico “orienta” seu paciente conforme a melhor informação disponível. Ele ouve, interage, entende e, então, orienta. Ele não é Deus e nem pretende ser. Quando a postura onipotente prevalece, o paciente acredita (com razão) e se coloca a um passo da decepção. Afinal, a Deus não é permitido errar. Mas errar é inevitável ao ser humano, grupo do qual faz parte o exército de branco.
Os pacientes que não compram a onipotência acabam buscando novos caminhos, muitas vezes fora da medicina. Alguns desses doentes obtêm a tão sonhada solução dessa forma, mas outros tantos acabam buscando remédio nas mãos de profissionais que pouco têm a oferecer – ou que na verdade pouco se importam em oferecer alguma coisa.
Sempre admirei a medicina. Essa foi a profissão que escolhi quando ainda nem sabia escrever. Mas admiro ainda mais o papel que vem se formando para o médico nessa era da informação sem limites ou fronteiras: um membro importante e imprescindível da equipe multidisciplinar (e-qui-pe) que avalia o doente como um todo, corpo e mente.
Um ser humano que navega a informação médica com facilidade e é capaz de traduzir o que encontra para ajudar seu “cliente” a decidir. Sim, seu “cliente”, por que não? E a medicina pode ser exercida de diversas formas, nem todas necessariamente ocorrendo no consultório ou na sala de cirurgia.
Mas nem tudo são flores e seria ingenuidade acreditar que já houve uma mudança completa. Nem todos os doentes têm acesso à informação e muitos médicos ainda são levados pelo sistema a desenvolver a compaixão em 10 minutos de consulta.
Mas a semente está plantada e a evolução vai ser inevitável. Como dizia no início da conversa: foi-se o tempo em que médico era Deus, mas nasce um tempo em que ele pode curar e aliviar muito mais do que em toda a história da medicina”.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

Sobre a Cris Segatto:
Faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento, em 1998. Escreve sobre medicina há 17 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais e internacionais de jornalismo.

Link para a matéria: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/cristiane-segatto/noticia/2013/08/uma-consulta-com-o-dr-smartphone.html

Agradeço a Cris Segatto pela lembrança e por evidenciar a importância da tecnologia digital em favor da saúde.

Sobre Priscila Torres

mm
O diagnóstico de uma doença crônica, em 2006, me tornou, blogueira e ativista digital da saúde. Sou idealizadora do Grupo EncontrAR e Blogueiros da Saúde. Vice-Presidente do Grupar-RP, presidente do EncontrAR. Apaixonada por transformação social, graduanda em Comunicação Social "Jornalismo" na Faculdades Unidas Metropolitanas.

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