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Das lan houses de Brasilândia à blogueira de sucesso

Sammia Vilela só conseguiu comprar o primeiro computador aos 21 anos. “Foi quando comecei a usar a internet para lazer.” Antes disso, ela sempre deu um jeitinho de estar conectada: seja nas lan houses de Brasilândia, distrito da zona noroeste de São Paulo onde nasceu e cresceu, seja se logando no intervalo do trabalho em restaurantes e lojas.

O caminho da garota da periferia até a era digital foi de pedra. Sammia se fez incluir no mundo dos computadores, embora a tecnologia fosse a última das prioridades na vida da filha de uma cobradora de ônibus que viria se tornar “top blogueira”.

“Como as lan houses eram caras, não queria desperdiçar tempo e dinheiro me divertindo na internet. Queria aprender, pesquisar. Aproveitava cada segundo. Tinha a sensação de que se não fizesse isso, meu futuro ia por água abaixo. Também tinha certeza de que ninguém ia me dá uma oportunidade, de que as portas estavam fechadas. Por isso, me tornei autodidata no mundo digital.”

ANTES DA BOLSA FAMÍLIA

Na década de 1990, a renda da família Vilela era o equivalente a R$ 400. Mãe solteira e com dois filhos para sustentar, Sandra Moreira, 51, alongava a jornada de oito horas diárias para até 14 horas de trabalho. Em época pré-Bolsa Família, só tinha uma certeza: a de que os dois filhos tinham que ir para a escola e ler muito. “Sou de origem humilde, mas minha mãe me incentivava a ler. Sempre gostei de livros e de tecnologia, mesmo sem ter acesso”, diz Sammia.

Na adolescência, participava de saraus literários e, sem biblioteca no bairro, desenvolveu o hábito da leitura nas livrarias da avenida Paulista. “Lia livros juvenis, de aventura, de poesia. Meus preferidos eram as biografias e os de história.” Sammia leu obras como “O Diário de Anne Frank” se fingindo de cliente interessada.

Ela e o irmão estudaram em escolas públicas. “Para orgulho da minha mãe, eu era boa aluna.” Já o caçula dos Vilela, hoje com 21 anos, cresceu revoltado com a situação de extrema pobreza. “Meu irmão era mau aluno, chegou a se envolver com pessoas do tráfico. Minha mãe temia que não desse certo na vida. Mas, graças a Deus, ele se centrou e agora cursa o terceiro ano da faculdade de direito.”

NA FAXINA

O período mais duro dessa caminhada foi em 1998, quando a mãe perdeu o emprego em um processo de demissão em massa na empresa de ônibus em que trabalhava. “Ela começou a fazer faxina e eu também”, relata Sammia. “Tentei fazer faculdade, cheguei a ingressar em jornalismo na Unip, mas não consegui estudar e trabalhar ao mesmo tempo.”

Mesmo sem estar matriculada no ensino formal, a jovem de Brasilândia não parava de estudar por conta própria. “Eu me inscrevia em tudo que era curso gratuito.” Foi em um desses que começou a se interessar pelas redes sociais e blogs.

Dos bancos escolares na infância, guardou uma lembrança ruim. “Eu era a esquisita da classe. Só tinha duas roupas e meus colegas diziam que eu não tomava banho.” O bullying não a fez desistir da sala de aula. Quando perguntavam o que a “nerd em potencial” queria ser quando crescesse, ela respondia: “Quero comprar roupas”. Era a necessidade transformada em profissão, não simples sonho de consumo, mas de dignidade.

A estudante pobre conquistou bem mais do que um guarda-roupa recheado. Aos 27 anos, está prestes a pegar o diplomar de tecnóloga em Marketing pela Anhembi Morumbi. “A mudança de vida não foi só minha, mas do Brasil e se deve à facilidade do acesso a universidade dos últimos anos, somado ao meu empenho pessoal.”

Paga a mensalidade de R$ 345 e as contas como blogueira. “Sempre usei o computador para estudar e tentar melhorar de vida.”

 

TOP BLOGUEIRA

Antes de chegar à profissão dos sonhos de dez entre dez jovens de sua geração hiperconectada, Sammia pegou no rodo e na vassoura. Fez muita faxina até conseguir o primeiro emprego como analista de rede sociais e redatora em uma agência.

No meio do caminho, conheceu o futuro marido no finado Orkut. Usava o computador do restaurante onde era recepcionista, quando esbarrou no perfil do analista Thiago. Dois meses de namoro depois, decidiram se casar. O pedido de casamento iria causar outra revolução na vida de Sammia e lhe encaminhar para a nova profissão.

“Quando aceitei me casar, caiu a ficha de que os preços da cerimônia e da festa estavam acima do que podia bancar.” Foi pesquisar fornecedores, bufês (R$ 30 mil) e vestido de noiva (R$ 9 mil) na internet. “Os valores eram assustadores. Fui ficando chateada, mas não desisti.”

O jovem casal, que tinha renda somada de quatro salários mínimos na época, estipulou que poderia gastar até R$ 6.000 (“Parcelado, claro”). Sammia foi à luta para encaixar os sonhos de noiva no orçamento mais que apertado.

Nascia um diário na internet, em que ela contava suas andanças em busca de vestido, lembrancinhas e afins pela 25 de Março e em sites especializados e serviços para quem deseja subir ao altar com pompa e circunstância. “Fotografava o mais barato e colocava na internet.”

Subiram ao altar em 4 de fevereiro de 2012. “Gastamos cerca de R$ 8.000”, contabiliza a noiva, incluindo os gastos com um álbum de fotos que eternizam as imagens da noiva de branco e tatuagens à mostra.

CASANDO SEM GRANA
Cada detalhe foi previsto naquele diário, o embrião do blog Casando Sem Grana, que hoje registra 40 mil visitantes únicos por dia e 3,5 milhões visualizações por mês.

“Fui autodidata. Comecei compartilhando tutoriais e informações sobre organização de festa.” Quatro anos depois, o blog se profissionalizou e tem anunciantes (até bancos e grandes magazines já piscaram em seu banners), que cobrem as despesas de R$ 5.000 mensais com colaboradores e servidor.

“Dá para pagar as contas e sobra um pouco. Gosto do que faço e quero que o blog cresça.” Além do retorno financeiro, espera crescer também em visibilidade.

Já fez palestra a convite do Sebrae e vai contar sua história em um dos painéis da Social Media Week, no dia 25, em SP. O título é sugestivo: “Da Vassoura ao Like. Superando Dificuldades e se Tornando um Empreendedor Digital”.

Sammia dispensa a alcunha de “top blogueira”. “Eu me sinto mal com esse título. Encaro o blog como trabalho e uma missão. Falo com meninas como eu, que são da periferia, do morro do Rio, de favelas, do sertão. São histórias muito doídas, de brasileiras pobres que querem realizar seus sonhos.”

CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS

A internet também a guiou por caminhos inesperados, na busca recente pela identidade paterna. “Quando era criança, achava que rico era quem tinha pai e mãe”, recorda-se. A investigação de um problema de saúde levou o médico a suspeitar de uma causa genética. Na família materna não registrava nenhum caso. Mas e a do pai desconhecido?

Sammia levou a inquietação à mãe, que há dois meses lhe revelou o nome completo do pai. Quando deu início às buscas, a primeira surpresa: o perfil de um homem com o mesmo nome, idade e características físicas estava entre as sugestões de amizades no seu Facebook.

Sammia ainda não teve coragem de adicioná-lo entre os amigos nem de procurá-lo. Descobriu que ele é casado e tem outros filhos. “Ele constituiu família e não sei como iriam reagir. Não quero destruir a vida de ninguém. Vou esperar o momento certo de procurá-lo. Estou tomando coragem. Por enquanto tenho só curiosidade. Não senti nenhuma emoção especial. Nem rancor.”

Apenas mais um capítulo, ainda em aberto, de uma vida extraordinária. A trajetória de uma menina pobre alçada à classe C, que vai sedimentando, a cada clique -e hoje eles são na casa dos milhões por mês-, uma carreira de empreendedora digital.

Casando sem grana

 

FONTE: Folha de S. Paulo

Sobre Priscila Torres

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O diagnóstico de uma doença crônica, em 2006, me tornou, blogueira e ativista digital da saúde. Sou idealizadora do Grupo EncontrAR e Blogueiros da Saúde. Vice-Presidente do Grupar-RP, presidente do EncontrAR. Apaixonada por transformação social, graduanda em Comunicação Social "Jornalismo" na Faculdades Unidas Metropolitanas.

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