Em 2001, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, assinou uma ordem executiva proibindo o governo federal de financiar novas fontes de células-tronco desenvolvidas a partir de embriões humanos para implante. O ato brecou a pesquisa e desencorajou os cientistas.
Cinco anos mais tarde, um cientista da Universidade de Kyoto, Shinya Yamanaka, e seu aluno de pós-graduação, Kazutoshi Takahashi, deram novo ânimo ao campo criando uma técnica para “reprogramar” qualquer célula adulta, por exemplo, uma célula da pele, e persuadi-la a voltar ao estágio “pluripotente” inicial. A partir daí ela pode se tornar qualquer tipo de célula, do músculo cardíaco à de um neurônio.
Esse avanço deixou de lado a controvérsia com embriões, oferecendo aos pesquisadores um suprimento ilimitado de células-tronco. Yamanaka dividiu o prêmio Nobel de 2012 de Fisiologia ou Medicina por reprogramar células adultas no que agora se chama de célula-tronco pluripotente induzida (iPS). Mesmo assim, a marcha rumo aos novos tratamentos deu uma parada.
Yamanaka dirige o Centro para Pesquisa e Aplicação de Célula iPS da Universidade de Kyoto. Ele também chefia um pequeno laboratório de pesquisa nos Institutos Gladstone, afiliado à Universidade da Califórnia, campus de San Francisco, onde seu grupo estuda os mecanismos moleculares subjacentes à pluripotência e os fatores que induzem à reprogramação.
Eu o entrevistei recentemente em San Francisco. Nossa conversa foi editada por questões de tamanho e clareza.
Houve um grande entusiasmo e confiança durante quase 20 anos de que o uso de células-tronco levaria a novos tratamentos poderosos para uma série de doenças. Agora, dez anos após a sua descoberta, que tratamentos foram desenvolvidos?
Ainda estamos nos primeiros estágios. Em 2014, a Dra. Masayo Takahashi e colegas do Centro Riken para Desenvolvimento Biológico tiveram grande sucesso usando células iPS para tratar degeneração macular.
Eles pegaram células da pele de uma paciente de 70 anos e criaram as células iPS a partir delas. Então, diferenciaram as células-tronco (direcionadas a “retomar” o caminho do desenvolvimento normal) para se tornarem células retinais adultas. Elas foram transplantadas no olho da paciente para tratar a doença. Foi um grande sucesso. Ela vê muito melhor hoje em dia.
Mais pacientes foram tratados?
Antes do transplante para o segundo paciente, verificamos a sequência do genoma das células iPS do paciente e identificamos uma mutação nas células. Então, não prosseguimos.
As células-tronco pluripotentes têm a capacidade de se proliferar rápida e infinitamente. Mas essa é uma faca de dois gumes. Depois de vários ciclos celulares, a chance de mutação cresce. Isso poderia incluir uma mutação para produzir um oncogene que pode causar câncer.
Células cerebrais em uma cultura de células tronco
Então esses tratamentos estão em fase de espera?
Sim. Estamos desenvolvendo linhagens de célula-tronco alogênicas – células-tronco de doadores. Elas não seriam do próprio paciente, mas células compatíveis para transplantar no paciente, como transfusão de sangue entre tipos sanguíneos compatíveis.
Estamos realizando testes de qualidade rigorosos, incluindo o sequenciamento do genoma de células-tronco para garantir que as células não têm mutações causadoras de câncer. Realizamos exames em células retinais adultas geradas a partir dessas células-tronco para garantir que funcionam como células retinais normais, e essas células são transplantadas em camundongos ou ratos durante um ano para garantir que são seguras.
Isso é muito diferente da forma como os tratamentos com célula-tronco foram originalmente descritos ao público. Seria uma medicina “personalizada” – usando células-tronco do paciente para gerar as células adultas sem o risco de rejeição.
Bem, vimos que seria preciso um tempo enorme e seria extremamente caro executar o sequenciamento profundo e estudos animais com as células de cada paciente.
Quantas linhagens de células de doador compatíveis o senhor espera que sejam necessárias para cobrir a população japonesa?
Não muitas. Uma linhagem particular – só uma – pode funcionar em 17% da população japonesa. Estimamos que, ao todo, cerca de cem linhagens bastariam para os cem milhões de habitantes japoneses.
Quantas linhagens seriam necessárias para a população mais diversificada dos Estados Unidos?
Precisaríamos de umas 200.
A promessa das células-tronco foi supervalorizada?
De certas formas, sim, foi um exagero. Por exemplo, as doenças direcionadas para terapia celular são limitadas. Existem umas dez: mal de Parkinson, distúrbios retinais e da córnea, insuficiência renal e hepática, diabetes e somente mais algumas – lesão na medula espinhal, problemas articulares e alguns no sangue. Mas talvez pare por aí.
O número de doenças humanas é enorme. Não sei quantas. Podemos auxiliar somente uma pequena porção de pacientes pela terapia com célula-tronco.
Temos mais de 200 tipos de células no nosso organismo, mas as doenças que descrevi são provocadas pela perda de função de somente um tipo de célula. O mal de Parkinson é causado pela falência de células cerebrais muito especializadas que produzem dopamina. A insuficiência cardíaca é provocada pela perda de função de células cardíacas.
Então, essa é a questão. Podemos transformar esse tipo determinado de célula a partir de célula-tronco em grande quantidade, e ao transplantá-las, poderemos conseguir salvar o paciente. Mas muitas outras enfermidades são causadas por tipos diversos de falência celular, e não podemos tratá-las com terapia da célula-tronco.
Quais são as perspectivas das outras nove doenças que o senhor disse que o tratamento com célula-tronco pode ajudar?
Acho provável que testes clínicos estejam em andamento para muitas dessas doenças na próxima década.
Sua descoberta não substitui por completo a célula-tronco embrionária para tratamentos potenciais.
Aplicações diferentes funcionam melhor sob condições diferentes.
Qual é a importância da nova estratégia de reprogramar células adultas, mas não até o estágio de célula-tronco e mais para um estado em que ainda é um tanto específica para o órgão de onde se originaram?
Isso se chama reprogramação celular direta, e pode funcionar melhor do que a iPSC se, por exemplo, precisarmos substituir toda a cartilagem do joelho de um idoso. Mas o iPS seria provavelmente a escolha se formos tratar uma jovem com uma pequena lesão no joelho. Poderíamos fazer uma boa cartilagem a partir das iPSCs e transplantá-la purificada para aquela pequena lesão.
Quais são suas maiores preocupações acerca do futuro do tratamento com célula-tronco?
Acho que a ciência se adiantou bastante no tocante a questões éticas. Quando tivemos sucesso em fabricar células iPS, pensamos que poderíamos derrotar a questão ética de utilizar embriões na produção de linhagens de célula-tronco.
Mas, logo depois, vimos que estamos criando novas questões éticas. Podemos fazer um rim ou pâncreas humano em porcos se células iPS humanas forem injetadas no embrião. Mas o quanto podemos fazer com essas coisas?
É muito controverso. Esses tratamentos podem ajudar milhares de pessoas. Então, chegar a um consenso ético é extremamente importante.
O que é necessário antes que os pacientes recebam tratamentos com célula-tronco para as cerca de dez doenças que o senhor mencionou?
Tempo e dinheiro.
Meu pai tinha uma fábrica pequena. Ele fraturou a perna na fábrica quando eu estava no ginásio. Ele fez uma transfusão e pegou hepatite C. Faleceu em 1989.
Vinte e cinco anos depois, há apenas dois anos, os cientistas desenvolveram uma cura eficaz. Agora, temos um comprimido. Três meses e o vírus some – é incrível, mas demoraram 25 anos.
As células iPS têm somente dez anos. A pesquisa consome tempo. É isso que todos precisam compreender.
Fonte: Noticias UOL